terça-feira, 29 de junho de 2010

O MISTÉRIO DAS COUSAS (do “Guardador de Rebanhos” – Alberto Caeiro)

O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.

domingo, 27 de junho de 2010

O Guardador de Rebanhos", de Alberto Caeiro.

"(...) O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas. Olhando para a direita e para a esquerda. E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento é aquilo que nunca antes eu tinha visto. E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial que tem uma criança se, ao nascer, reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do Mundo... Creio no mundo como num malmequer, porque o vejo. Mas não penso nele. Porque pensar é não compreender... O Mundo não se fez para pensarmos nele. (Pensar é estar doente dos olhos). Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, mas porque a amo, e amo-a por isso, porque quem ama nunca sabe o que ama nem sabe por que ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência, e a única inocência é não pensar... (...)"